Parei de escrever às 34 semanas, a gravidez durou até as 41. Não tenho escrito porque não tenho tido muito tempo, mas de certa forma também tenho evitado um pouco porque não gosto muito de me lembrar daquele que deveria ser o momento mais bonito e feliz da minha vida, que ficou manchado pela incompetência dos profissionais que temos no nosso país... Nas últimas semanas de gravidez, tirando uma suspeita de perda de líquido amniótico às 39 semanas, não houve mais percalço nenhum, claro que o cansaço das últimas semanas, as dores no corpo, e a falta de conforto não contam como percalços... No dia em que fiz as 39 semanas houve a suspeita de perda de líquido, e então fui ao hospital para ser vista... estava tudo bem, foi falso alarme, o médico que me observou, cujo nome não vou divulgar por razões de carácter (pouco) profissional, mandou-me lá estar as 9 da manhã do dia em que completaria as 41 semanas, se o bebé não nascesse antes... não nasceu... por isso no dia 30 de Julho as 9 da manhã estava a ser internada no piso 5 (maternidade e neonatologia)... fui logo vista por uma enfermeira, posta a soro e fiquei na cama 5 se não me engano... é um internamento muito temporário uma vez que as gravidas permanecem naquele quarto até irem para a sala de partos, e daí já vão para outro quarto.
Às 11 da manhã, já com a bata do hospital vestida, deram-me um comprimido para meter de baixo da língua, para provocar o parto... ao mesmo tempo deram também à rapariga que estava na cama ao lado, na cama 6. Ela começou logo a ter contrações, coitada gemia, chorava, estava acompanhada pela mãe... Não tinha a certeza se podia levar epidural, acho que a contagem das plaquetas dela não estava muito boa... a certa altura veio uma enfermeira e rebentou-lhe as águas... a partir daí a rapariga não se calou mais, chamava-se Patrícia também, e se não me engano era uma menina que ia ter. Esteve ali mais cerca de uma hora entre gemidos e choro e queixas até que a mãe dela chamou uma enfermeira. A enfermeira observou-a, e disse que tinham de ir já para a sala de partos, porque o bebé estava mesmo para nascer, ela fez a dilatação toda num instante. Nunca mais me esqueço de ela no meio de lágrimas perguntar: "Então e a epidural?", e a enfermeira responder-lhe, "agora já não dá tempo, você foi muito rápida". Ao que ela lhe responde: "Então e agora?" e a enfermeira: "Então agora vai parir!"... ao mesmo tempo que me deu pena dela, deu-me vontade de rir... olhei para o Pedro e disse: "Coitada!!" Mal sabia eu o que me esperava...
O tempo foi passando, eu só pensava em comer, e dores era mentira, a certa altura o médico apareceu e perguntou se não havia dores, acenei que não, e ele respondeu: "Sem dores não há bebé!" Esse médico andava sempre com uma médica, devia ser equipa, ou qualquer coisa do género, ela era espanhola... Não me lembro bem, tenho as memórias desse dia um pouco vagas, não sei bem precisar o que aconteceu antes e o que aconteceu depois... sei que me fizeram muitos toques nesse dia, cada um mais doloroso do que o outro, e contracções nada... até que às 4 da tarde, a espanhola me fez mais um toque e aí sim comecei a ter contracções. E aguentei-as até as 6 da tarde, altura em que já não dava para descansar entre uma e outra, eu mordia os dedos, e fiz de tudo para fazer o menor barulho possivel, não quis parecer marquinhas... o pedro desde as 5 que me estava a perguntar se queria que chamasse a enfermeira, e eu sempre a dizer que não queria chatear, mas as 6 já não estava a conseguir lidar muito bem com as dores e deixei o Pedro tocar à campaínha... Apareceu uma enfermeira que olhou para o CTG e disse "pois, está cheia de contracções" e saiu, para ir chamar a enfermeira obstetra, ela veio, veio a médica também, fizeram-me toque as duas, estava com dois centimetros de dilatação, a médica comentou que eu não estava a reagir muito bem ao toque e mandaram-me para a epidural. Nesta altura o Pedro teve que sair, não podia estar comigo, então esteve a ajudar a enfermeira, ou auxiliar, não sei, a mudar as minhas coisas de quarto. Na sala de partos estava o anestesista e a enfermeira, mandaram-me sentar tipo panda, pelo menos foi como me senti, e estar quieta. O anestesista anestesiou localmente a zona onde ia por o cateter, e foi fazendo o trabalho dele, às pàginas tantas a enfermeira passou-me com um dedo na sola do pé, e comentou, "olha, não tem cócegas" respondi que tinha sim, ela ficou admirada, "nem sequer deu sinal", respondi-lhe que me tinham mandado não me mexer, e ela começou-se a rir. Gostei desta enfermeira, era simpática. Lá me dera a anestesia, aliviou-me logo as dores, o Pedro depois pode entrar, e ficou lá comigo. Até consegui dormir um bocadinho. Às 8 da noite o efeito da anestesia começou a passar e chamei a enfermeira, disse-lhe que já tinha dores outra vez, ela foi à procura do anestesista, estava a jantar. Disse-lhe que as dores ainda eram suportáveis e que podia esperar que o senhor acabasse de jantar. 10 minutos depois lá estava ele, a dar-me a segunda dose de epidural, disse-me que aquela dose era diferente e que ia demorar mais tempo a sentir alívio... mas a diferença não era só essa, aquela dose de epidural apenas me aliviou as dores, não me as tirou por completo... entretanto a enfermeira fez-me novo toque para ver como tinha evoluido naquelas duas horas... não tinha, continuava com os mesmo dois centimetros de dilatação, só que quando me fez o toque apercebeu-se que eu estava a ter uma contracção e que tinha ali uma especie de um buraquinho por onde me podia romper as águas... assim fez, comecei a sentir tudo lá em baixo muito quentinho, com isto conseguiu mais um centimetro de dilatação... as 10 da noite a mesma história, mais dores, e uma dor constante do lado esquerdo da barriga, essa nem passava nem aliviava, disseram-me que devia ser por causa da posição do bebé. Os médicos estiveram na sala, novo toque, mais um centimetro... não fiz um centimetro de dilatação sozinha... eram eles que ma faziam, de cada vez que me mexiam. Entretanto a equipa juntou-se toda ali, médicos, enfermeira, anestesista, tudo à espera e a ver o tempo a passar, a certa altura aperceberam-se que o Tiago já não ia nascer no dia 30. Quando se cansaram de estar ali na conversa disseram que se iam sentar por ali, à espera. À meia noite novas dores, desta vez não me deram logo a epidural, a enfermeira veio e mexeu-me e disse que tinha rebordo, andou para ali a mexer e 6 centimetros, disseram eles que eu estava a fazer um centimetro por hora, mas na verdade não foi assim, coincidiu com os toques que me fizeram, depois veio a médica e mexeu também, 7 centimetros, nesta altura já eu estava cheia de dores. Decidiram então começarem com o parto, ao 7 centimetros, com rebordo, após decidirem o que queriam fazer o anestesista deu-me nova dose de anestesia, e explicou que só não ma tinha dado antes porque precisava saber o que iam decidir porque consoante a decisão dos médicos era o tipo de anestesia que me ia dar, que a espera não era pelo prazer de me ver sofrer. E assim começou o suplicio, fazer força sem ter aquela vontade que dizem que se sente com as contracções... de alívio nao conheci nada, aquela anestesia foi o mesmo que nada. Nao vou entrar em muitos pormenores até porque não me consigo lembrar bem por que ordem é que as coisas se passaram. Houve sucessivas tentativas com ventosas, lembro-me do barulho que a ventosa fazia quando se soltava da cabeça do Tiago, a dada altura cortaram-me, a dada altura mandaram o Pedro saír e veio a enfermeira para o lugar dele, a dada altura estava a médica sentada na minha barriga comprimindo-me a caixa torácica, eu não conseguia respirar fundo para fazer força, disse que não conseguia respirar, respondeu-me que se estava a falar estava a respirar, a dada altura usaram forceps, eu quando comecei a não conseguir respirar comecei a entrar em pânico, comecei a espernear, soltei uma das pernas que estava presa, empurrava a médica... enfim, lembro-me de fazer força uma das vezes, o médico dizer que estava quase mas eu sentia a cabeça do Tiago encostada aos meus ossos e disse que ele não passava. Lembro-me do médico dizer que eu não estava a ajudar o bebé, vagamente lembro-me da médica dizer que se calhar era melhor a cesariana, e o médico responder que ia tentar só mais isto, e depois mais aquilo... perdi a noção do tempo... e lembro-me como se tivesse acabado de acontecer, o médico pousar o forcép cheio de sangue em cima da mesa de apoio e dizer: "Pois, ela realmente não tem estrutura"...
E o Tiago está a acordar, continuo quando tiver oportunidade.