Acordei, penso que noutra sala, não me lembro de como era o bloco, nem me lembro muito bem do recobro. Sei que havia um relógio na parede mesmo uns metros à minha frente, penso que eram perto de duas da manhã, não sei, nessa altura não prestei muita atenção às horas. Assim que acordei o enfermeiro que estava a tratar de mim disse-me que o bebé estava bem, acho que me perguntou o nome, mas isso é apenas uma memória vaga, desatei a chorar, nessa altura estava convencida de que a culpa tinha sido minha, a culpa de tudo ter corrido mal, ainda não tinha tido tempo para digerir a e avaliar a forma como as coisas tinham acontecido, muito menos para raciocinar, ao mesmo tempo que foi uma eternidade, foi tudo muito rápido... estava a tremer descontroladamente de frio, e tinha uma comichão horrível na garganta, o enfermeiro disse-me que era por causa dos tubos, não me lembro se tossi ou não, mas lembro-me que tinha receio de o fazer, afinal quando tossimos contraímos abdómen, e o meu tinha sido acabado de cozer. Como eu tremia de frio o enfermeiro pôs-me uma espécie de manta por cima e de lado meteu um tubo que mandava quentinho, para me aquecer. Depois limpou-me as costuras e fez-me o penso, acho que havia outra enfermeira no recobro, sei que o enfermeiro falava com alguém, mas se a vir não sei dizer quem é. Depois ouvi qualquer coisa como "o pai já pode entrar". O Pedro veio-me ver e disse-me: "Dizes que todos os recém nascidos são feios, espero que isto te faça mudar de ideias" e mostrou-me uma foto que tinha tirado na neonatologia.
Esta foi a primeira vez que vi o meu filho. O Pedro disse-me que tinha nascido em paragem cárdio-respiratória, la desatei eu a chorar outra vez, disse que não sabia exactamente como é que ele estava porque o médico não tinha cedido muita informação. Ainda me falou no braço dele que nesta foto aparece muito branco, também estava preocupado com isso. Depois dele saír perguntei ao enfermeiro, ele explicou-me que há bebés que quando têm um parto traumático, a circulação leva algum tempo a voltar a normalidade, e que o mais provável era ser apenas má circulação.
Perguntei quando o podia ver, disse-me que só depois de ter alta do recobro, que acabou por ser às 3 e meia da manhã. A dada altura no meio disto tudo, entrou outra pessoa no recobro, um rapaz que tinha sido operado ao apêndice e que só fazia era gemer. O enfermeiro ainda lhe disse qualquer coisa como, não tem vergonha de estar assim, está aqui uma mãe a recuperar de uma cesariana e não abre a boca. Depois ouvi-o estar a dizer à outra enfermeira que lá estava que os homens são muito mariquinhas e que contra ele estava a falar. Passei o tempo que esperei para ter alta do recobro a olhar para esta fotografia, ansiosa por ir ver o meu filhote.... o que ainda ia demorar muitas horas, eu é que não sabia.